Mestrando para veteranos! [NitroDungeon – Dicas de Mestre]

Um dos maiores desafios para esse tipo de Mestre é lidar com a ansiedade e idéias pré-concebidas que os veteranos apresentam. Depois de mais de vinte anos de estrada, jogando e mestrando RPG para marmanjos, notei alguns dos tópicos mais comuns entre eles.

O que segue é uma compilação da minha experiência pessoal para os Mestres que quiseram aprimorar sua narrativa e seu modo de conduzir esse tipo de jogo.

“Surpreenda seus jogadores!” – Arte de Khalid Al-Muharraqi

1. O Mestre tem que estar afim de mestrar o jogo!

Se o Mestre não estiver afim mestrar — i.e., se ele não estiver empolgado para narrar o jogo — a sessão não rola legal. O entusiasmo do Mestre é fundamental num grupo de RPG, afinal é ele o principal responsável na condução do jogo. Se ele não estiver entusiasmado, não tem jeito.

Um Mestre animado levanta o astral até daqueles jogadores “mimimi” preguiçosos! A competição pauleira com uma quantidade cada vez maior de opções de entretenimento em grupo (sejam videogames, tabuleiros ou MMORPGs) exige ainda mais animação para tornar o RPG tão divertido quanto (senão mais) as demais alternativas! As vezes um Mestre desanimado é a principal causa pela qual um grupo de jogo acaba morrendo.

Para o Mestre, é sempre importante procurar sistemas e cenários que combinem com o seu estilo de jogo e de narrativa (e que combinem também com aquilo que o seu grupo de jogadores curte).

2. O Mestre deve preparar a sessão de jogo!

Jogadores experientes notam na hora quando o Mestre não preparou o jogo, principalmente quanto ele não está dando conta de improvisar no momento. A história perde coerência, o Mestre fica sem paciência com os jogadores e trava em cada decisão que foge um pouco suas expectativas.

A preparação da sessão de jogo ajuda sempre. mesmo quando o Mestre decide improvisar tudo na hora, ela dá uma base legal para as invenções dele. Contudo, essa necessidade de preparação não deve inibir nenhum Mestre sem tempo livre — com a experiência, você vai pegando o jeito de preparar as sessões de jogo em pouquíssimo tempo.

Eu costumo usar todos os recursos possíveis para me ajudar. Basicamente, quando eu preparo uma sessão de jogo escrevendo um esquema básico de como eu imagino que a história deve ocorrer e listo algumas variações possíveis através de decisões que prevejo que os jogadores podem adotar. Nessa preparação, também destaco as decisões básicas que os jogadores terão que tomar. Exemplo: os jogadores terão que se salvar ou se arriscar e salvar um aliado. Outro exemplo? Eles podem invadir o castelo sorrateiramente ou tentar conseguir o que querem na base da diplomacia.

Ao fazer esse esquema da história e listar algumas das decisões possíveis em cada cena de maneira resumida, você terá uma visão geral da sessão de jogo e isso servirá de base para o improviso. É óbvio que os jogadores sempre vão te surpreender (principalmente os veteranos), mas esse “estudo” das tramas que compõem o seu enredo vai facilitar a adaptação do seu esquema frente às decisões dos jogadores.

Eu entendo o RPG como uma criação coletiva de histórias e assim, mesmo nesse esquema simples (muitas vezes com pouco mais de meia página num rascunho), eu deixo muitas coisas em aberto para dar espaço aos jogadores criarem a parte deles na história.

Outros elementos importantes da preparação do jogo são:

Lista de inimigos e suas estatísticas: Nesse caso eu uso e abuso dos livros de jogo, faço uma lista dos monstros com o número das páginas ou, se tenho tempo, faço algumas cartas com as estatísticas dos monstros e inimigos para aumentam a velocidade do jogo.

Resumão das regras principais: Isso é algo que tenho feito nos últimos anos; ao aprender um novo RPG, faço um resumão das regras principais do jogo (principalmente as de combate, que é onde normalmente o bicho pega). Tendo esses resumões já prontos anteriormente (que costumam ter de 5 a 10 páginas no máximo), quando me preparo para um jogo eu apenas pego o resumo e dou uma lida, para relembrar as regras. Isso é muito importante principalmente se você costuma mestrar vários sistemas diferentes.

Roteiro dos Encontros (Combates e Cenas de Interação Social): Gosto de ter um roteiro resumido dos combates e cenas de interação que pretendo narrar, mas sempre respeitando a idéia de liberdade de ação dos jogadores. A preparação e revisão desses eventos ajuda na improvisação facilitando a adaptação deles para acomodar as ações dos jogadores.

Lista de Personagens e de Lugares: Isso é algo bem pessoal eu gosto de dar nomes para todos os personagens que os jogadores encontram na aventura e locais diferentes, para quando eles saem do esquema planejado e eu tenho que improvisar. Para isso eu uso uma listinha de nomes e de descrições que me ajuda muito na hora.

3. O Mestre deve conhecer as regras do jogo!

Mesmo quando há um mega-ultra advogado de regra do sistema de jogo, é importante que o Mestre tenha um bom conhecimento técnico do jogo. Ultimamente, tenho adotado um estilo mais light em termos de regras, gosto de simplificar para melhorar a dinâmica e a jogabilidade.

Mesmo assim, o Mestre precisa fazer o dever-de-casa com as regras. Esse domínio do sistema de jogo evita problemas e discussões de regras durante o jogo (que é uma das coisas que mais tiram o clima numa sessão de RPG). O uso de resumos de regras ajuda muito nesse caso. Ao fazer o resuminho, você vai pegando o jeito e as peculiaridades do sistema.

Existem muitos sistemas de RPG que não exigem tanto cuidado com as peculiaridades das regras, sendo mais fluídos e mais soltos. Eles são mais recomendados para os Mestres que não curtem cálculos exagerados nem são fãs de mecânica de jogo. Esses Mestres geralmente gostam mesmo é de cuidar da história em si e de avançar o enredo do jogo, colocando a mecânica de lado em prol do discorrer da história.

Muitos jogadores apreciam um Mestre que possui um conhecimento sólido das regras, pois sentem mais confiança para agir com seus personagens. Porém, esse domínio não é completamente necessário: um Mestre pode muito bem pedir ajuda a seus jogadores sobre questões mais obscuras ou incongruentes das regras (é até legal resolver esses imbróglios mecânicos em conjunto, num clima de cooperação para a diversão do jogo), prezando sempre a jogabilidade e o bom clima no grupo. Nas minhas sessões uso muitas regras caseiras para customizar o sistema e o cenário do jogo para o meu estilo de narração, adaptando também para o esquema que os meus jogadores mais gostam.

O domínio das regras também permite que o Mestre as altere a favor da diversão do grupo. Ele também pode ajudar aos jogadores que não conhecem o sistema ou não tem interesse em conhecer os mínimos detalhes das regras. Nesse ponto sou até radical, acho que os jogadores só precisam conhecer o básico do básico e que a obrigação mais pesada do sistema de regras é do Mestre mesmo. Jogador tem só que incorporar o personagem e se divertir, o Mestre deve ajudar nas picuinhas das regras e orientar o jogador quando for preciso, sem nunca cercear a criatividade (desde que ela esteja dento dos limites do razoável, é claro!).

4. O Mestre deve surpreender os jogadores!

Quebrar as expectativas é muito importante, principalmente com jogadores experientes que já entraram e exploraram milhares de masmorras, mataram milhares de monstros, foram a centenas de festas de príncipes vampiros, enfrentaram centenas de vilões megalomaníacos e por aí vai.

A pior coisa do mundo é jogar uma aventura onde tudo que acontece é completamente previsível: os monstros atacam sempre da mesma forma, a história não tem nenhuma surpresa nem reviravolta e tudo fica naquele marasmo de sempre, só cumprindo tabela! Os jogadores experientes sempre esperam que seu Mestre os surpreenda com algo novo e diferente no jogo.

Uma maneira de surpreender os jogadores é colocando mais mistério no seu jogo. Não revele todos os segredos da sua aventura para os jogadores! Assista Lost e pegue a manha de deixar os seus jogadores sempre curiosos com o que está acontecendo (sem exagerar, como na enrolação da terceira temporada, argh!). A cada nova conclusão de aventura, coloque elementos misteriosos que mostrem aos jogadores que as coisas não são exatamente como eles imaginam.

Use de todos os artifícios possíveis para surpreender os jogadores: Personagens do Mestre com segredos capazes de alterar a percepção da história que está sendo narrada, mudanças de rumo no enredo, monstros conhecidos que agem de forma inesperada, alteração de papéis dos personagens coadjuvantes (vilões que são heróis, vítimas inocentes que são vilões) e por aí vai.

Os mini-games também são interessantes. Você pode criar algo como um pequeno jogo de cartas, uma disputa inusitada numa taverna (como um jogo de dardos realizado para valer, com alvos e dardos reais) e outras coisas que servem para quebrar o esquema de sempre. “Props” (acessórios de jogo), itens e artefatos selecionados ou criados para a sessão de jogo — como cartas, estatuetas, bijuterias ou bugigangas mesmo — podem simular um item mágico que os jogadores vão pegar fisicamente. Tudo isso ajuda a surpreender e despertar o interesse e o entusiasmo dos jogadores na sessão de jogo.

5. O Mestre deve dar liberdade e oferecer opções de ação para os jogadores!

Esse é uma as expectativas mais importantes com as quais um Mestre tem que lidar quando narra parajogadores mais experientes. Normalmente, depois de muitas sessões de jogo, os jogadores já tem grande autonomia no seu estilo de RPG e gostam de criar, inovar e explorar mais o cenário do jogo (ou pelo menos isso seria o ideal!). Quando se estrutura uma aventura ou uma campanha, é sempre bom ter sempre em mente que é preciso dar um espaço para as ações dos jogadores brilharem, para as possibilidades que eles têm de alterar e modificar a história.

Eu costumo usar as idéias dos jogadores durante a sessão para conduzir e alterar a narrativa. Muitas vezes meus jogadores tem idéias mais interessantes do que eu tinha imaginado quando preparei a aventura e pego essas idéias no meio do jogo e incorporo na trama, mesmo que elas alterem o que eu tinha planejado antes.

Outra coisa importante é sempre oferecer opções sobre o que fazer para os jogadores. Toda cena de uma aventura de RPG tem que ter opções de ação, e quando os jogadores não conseguem perceber ou inventar novas alternativas, o Mestre pode sugerir ou indicar algumas delas.

Gosto sempre de deixar claras as diversas opções de ação em cada cena, principalmente porque muitas vezes os jogadores “travam” e ficam sem saber o que fazer. Todavia, naqueles momentos em que os jogadores estão inspirados e inventando soluções criativas para os desafios apresentados, o Mestre deveria incentivar (ou só não limitar) a criatividade deles. Lógico que tudo deve estar dentro dos limites e da lógica da cena; nada de “viajar na maionese”. Perceber esse fluxo entre liberdade de ação e limites impostos pela cena é parte do trabalho do Mestre. É uma das coisas que, com o tempo, vai ficando cada vez mais natural. Entretanto, o mais importante é que todos se divirtam!

Essas são algumas das expectativas que mais percebo nos jogadores veteranos em relação aos seus Mestres de RPG. A reflexão sobre essas expectativas vai ajudar a aumentar a diversão do jogo e dar mais confiança e segurança ao Mestre e aos jogadores.

Pra terminar, quero deixar esse artigo aberto para que os leitores novatos e veteranos aqui do d3system relatem os diversos pontos que fui incapaz de cobrir por aqui: diga lá, quando você se senta para jogar uma boa partida de RPG, quais são as suas expectativas?

____________________________________________

Contato

____________________________

Outros Artigos

3 comentários

  1. Muito muito recomendável essas dicas do Nitro!

    Concordo contigo Rodolfo, a Regra do Yes, ou Diga Sim está me ajudando muito como mestre, e sabe ela deveria ser a segunda “Regra de Ouro” de um jogo de RPG. O curioso é que está acontecendo na minha mesa com muito mais frequência o que o Nitro disse sobre mudanças do jogo devido as ações dos personagens jogadores, agora a contribuição deles e minha está muito mais afinada, e eles estão mais interessados no jogo. Recentemente em minha campanha de Dungeons & Dragons 4ª Edição, que narro em Forgotten Realms deixei os jogadores escolherem o local onde a campanha iria se iniciar, e eles em sua maioria esclolheram Luskan. A cidade é o verdadeiro inferno na terra, guildas de ladrões travando guerras entre sí, piratas e mercantes de tráfico de mercadorias, máfias que comandam os negócios e tal… e olha que bacana, o warlord do grupo conseguiu virar a mesa e está “limpando” literalmente a cidade dessa barbarie, além de estar instalado uma nova ordem militar e de quebra um clericato para a cidade que carecia de um lado religioso, e tudo isso aconteceu devido aos jogadores, e não a mim como mestre, e ficou muito bom e os jogadores estão adorando a aventura…. Agora imagina se tivesse dito não a idéia do warlord, imagina o que teriamos perdido….. Acredito que uma boa aventura de RPG é isso mesmo que o Nitro passou pelas dicas e eu conservo as seguintes. Sim escute e apoie as oportunidades que seu jogador criar, os incentive (dentro do bom senso). Diga Sim, Anote nomes de npc´s e locais visitados, pois na próxima aventura eles podem querer retornar a Dungeon que eles descobriram saindo da região tumular de Alzerath, e divirta-se com a aventura que se constroi na hora.

  2. Mais um belo post tio Nitro.

    Eu como jogador sempre espero o seguinte: que o mestre siga a lei do “yes, and”!

    Não há nada mais frustante do que aquele mestre que quer ver a “história dele” acontecer ao invés da história do grupo.

    Um dos melhores momentos que tive como jogador foi quando, jogando uma campanha de Mago, meu personagem começou a fazer coisas meio sem sentido em um shopping sem dizer porque: pediu um cartão de crédito, comprou um terno para ele e seus amigos e uma corda de rapel.

    Sabíamos que no último andar tínhamos uma recém-desperta capturada, e ninguém do grupo tinha idéia de como chegar lá. Então levei a galera pro elevador, ainda curiosa com meu plano, e o hacker do grupo nos levou ao último andar, onde fingimos ser parte da organização tecnocrata…

    O mestre acompanhou bonito, colocando um suposto aliado nosso lá para impedir que fôssemos pegos e guiar a gente na furtividade até o local que ela se encontrava. No fim a gente acabou salvando a menina ao correr do tiroteiro, soldar a corda de rapel no chão usando matéria, explodir a janela de vidro reforçado e meu personagem saltar do último andar com a donzela nos braços.

    Descemos para o estacionamento e saímos derrapando bem no momento que a polícia chegou.

    Imagina quanta diferença faz o mestre…. se ele quisesse simplesmente falaria “o cartão de crédito está sem limite” ou ainda “não há como hackear o elevador”… Ele participar da construção da história foi o motivo de deixar tudo mais divertido e coerente.

    Abraços

Deixe um comentário!